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Impactos de grandes empreendimentos: dilemas entre a sobreposição de direitos e o desenvolvimento econômico

A implantação e os impactos de grandes empreendimentos frequentemente geram discussões sobre conflitos de direitos. Um dos casos mais notáveis é o choque de interesses entre o indivíduo e a comunidade, que pode ser vista sob duas perspectivas: a comunidade local e a sociedade como um todo.

Podemos considerar como bom exemplo de caso a instalação de um empreendimento hidrelétrico. Quando um projeto desse porte é conduzido pelo poder público de forma republicana, deve ter como premissa a obtenção de benefícios coletivos

A geração adicional de energia elétrica, por exemplo, favorece o desenvolvimento econômico e o bem-estar geral. No entanto, a construção de um grande empreendimento traz consigo impactos negativos, sobretudo sobre as comunidades locais e o meio ambiente

Entre esses impactos, podemos citar a realocação de comunidades, mudanças na paisagem, alterações no curso dos rios e transformações na infraestrutura existente.


Uma linha entre benefícios e desigualdade dos impactos de grandes empreendimentos

Embora existam consequências positivas, como o aumento de empregos locais e o desenvolvimento econômico, os impactos negativos persistem, e são sentidos principalmente pelas comunidades locais.

Isso acontece pelo fato de não haver uma proporcionalidade na distribuição dos impactos negativos e positivos entre os envolvidos.

Enquanto a coletividade obtém ganhos relativos ao maior desenvolvimento econômico, alguns grupos se veem extremamente prejudicados: indivíduos e famílias que precisam deixar o seu local de moradia e produção. 

Diante disso, podemos observar uma complexidade de conflito de direitos em várias dimensões:

  • Direito da coletividade geral vs. direito das comunidades locais;
  • Direito da coletividade geral vs. direitos individuais dos afetados localmente;
  • Direito da comunidade local vs. direitos individuais de seus membros.

É a partir disso que se deriva a complexidade da busca por soluções ideais na implantação de projetos desse porte e na compensação dos impactos. 

A consultoria ambiental, frequentemente chamada para mediar esses conflitos, assume um papel importante neste processo, que muitas vezes acaba chegando à esfera judicial.

 

Os benefícios compensam os impactos negativos de grandes empreendimentos?

A viabilidade ambiental de um empreendimento é tema central na discussão política: os efeitos benéficos da geração adicional de energia compensariam os eventuais danos?

Com base nesta pergunta fundamental e, após estudos técnicos detalhados e especializados, supervisionados pelos órgãos ambientais, o poder público, que deve atuar como porta-voz da sociedade, decide pela implantação ou não do projeto.

É justo, ao reconhecer os direitos das minorias, que a sociedade beneficiada compense as comunidades e indivíduos locais afetados. 

Se bem conduzido, com consultoria adequada e independente, espera-se uma compensação justa, ainda que isso eleve os custos de implantação e operação da usina, impactando o custo final da energia para os consumidores.

A grande questão que permanece, então, é o reconhecimento justo dos direitos das minorias, no caso, as comunidades e os indivíduos locais. Afinal, existe uma tendência de que as decisões sejam baseadas na vontade expressa pela maioria.

 

De quem é a responsabilidade dos impactos de grandes empreendimentos?

A questão mais delicada reside no valor incalculável das perdas imateriais, como deixar para trás lares, vizinhanças e lugares de valor histórico e afetivo. Tais impactos, por sua natureza subjetiva, muitas vezes são negligenciados em termos de compensação. Como calcular isso?

Com isso, a dimensão do impacto, nessas condições, deriva de uma interpretação subjetiva, só compreendida pelo indivíduo ou comunidade atingida. 

A compensação deve ir além de recursos financeiros, incluindo programas diversificados que compõem o processo de compensação socioambiental. Neste contexto, a atuação da consultoria ambiental torna-se ainda mais relevante para mediar compensações mais justas e abrangentes.

No Brasil, os custos ambientais são assumidos pelo empreendedor, que faz a contratação direta da consultoria ambiental, eventualmente, comprometendo a independência do trabalho realizado.

Que o custo ambiental recaia sobre o empreendimento para ser repassado depois à sociedade pelo preço dos serviços parece ser operacionalmente mais apropriado, mas isso não deveria implicar no processo de contratação direta.

Há que se reconhecer que existem casos de oportunistas que, assessorados por aparatos advocatícios, se aproveitam do processo para benefício próprio. Instigam e prometem ganhos exagerados aos pouco instruídos, prejudicando um processo de compensação justo.

Infelizmente, estes poderão se aproveitar da situação, tomando para si, recursos que poderiam ser mais bem distribuídos.

 

É possível reparar os danos?

Essa é a principal função dos Programas Ambientais nas etapas de construção de soluções que evitam, revertem, mitigam e, por fim, compensam os impactos causados pelos empreendimentos.

No caso específico de deslocamento de populações, existem Programas de Reassentamento, Assistência Técnica, Indenizações, Programas de Reparação Social, Resgate Cultural, entre outros, que atuam diretamente com as comunidades afetadas.

 

Humanizando o processo para garantir direitos coletivos e individuais

É preciso reconhecer os direitos das minorias em oposição à vontade da maioria. Favorecer o desenvolvimento de uma consultoria socioambiental o mais independente possível permitiria maior humanização deste processo.

Indispensável, também, considerar a construção participativa de soluções, recomendada pelos órgãos licenciadores, para mitigar impactos em comunidades.

Não menos importante, possibilitar consultas públicas, reuniões de diagnóstico e a participação ativa das comunidades para garantir que as soluções sejam justas e duradouras.

Este processo participativo evita retrocessos e limita a atuação de oportunistas que possam tentar se beneficiar indevidamente da situação.

A transparência nas negociações e o envolvimento de todos os interessados garantiriam o respeito aos direitos e que as compensações sejam devidamente aplicadas.

 

Quais são os desafios?

É inegável que um país precisa recorrer aos seus recursos naturais para promover o desenvolvimento e o bem-estar de sua população. Contudo, esse caminho deve ser trilhado com cuidado, e resolver as questões ambientais, no sentido estrito e ecológico, é apenas o primeiro passo.

A viabilidade ambiental é importante para um empreendimento, mas não suficiente. O verdadeiro desafio surge quando consideramos as questões sociais, especialmente sobre as populações locais diretamente impactadas.

A missão da consultoria ambiental, em grandes empreendimentos, é promover a aproximação humanizada entre o desenvolvimento econômico e o equilíbrio socioambiental. 

É uma equação que pode parecer simples: poucos perdem e muitos ganham, mas a solução exige um pouco mais. Requer empatia, respeito e um compromisso genuíno com a justiça.

Se muitos são os beneficiados, cabe a cada um contribuir com uma pequena parte dessa compensação, que se refletirá no preço do produto gerado – a energia, no nosso caso.

Ela deve servir como ponte entre as necessidades de crescimento de uma nação e a preservação dos direitos daqueles que são mais vulneráveis a essas transformações.

Refletir sobre isso é reconhecer que o progresso só será verdadeiro se for compartilhado por todos, respeitando tanto o meio ambiente quanto os indivíduos que nele habitam. A verdadeira sustentabilidade está em equilibrar o desenvolvimento com a dignidade humana.
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