Dados do 17º Anuário Brasileirode Segurança Pública chamam atenção. Especialistas da QCP e do Programa VIA comentaram sobre os números e a possíveis soluções para o problema
O “Anuário Brasileiro de Segurança Pública” é um relatório anual que apresenta dados e análises sobre a situação da segurança pública no Brasil. Ele é elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma organização não governamental que atua na promoção do debate e da produção de conhecimento sobre segurança pública no país.
No documento atualizado, divulgado em julho deste ano, os números referentes aos crimes praticados contra crianças e adolescentes no Brasil em 2022 chamaram atenção.
Entre os dados obtidos no anuário é possível perceber que o estupro é o tipo de crime com maior número de registros contra crianças e adolescentes do Brasil. Em 2022 foram quase 41 mil vítimas de 0 a 13 anos, das quais quase 7 mil tinham entre 0 e 4 anos e mais de 11 mil entre 5 e 9 anos. Somando, são 18 mil vítimas de estupro no Brasil no ano passado com idades de 0 a 9 anos.
Para entender estes números e como esse cenário se desenhou em nosso país, conversamos com duas especialistas no tema: Maria Ângela Leal Rudge, pesquisadora especialista em violência da QCP – Inteligência em Políticas Públicas, e Anna Carolina Bruschetta, coordenadora de Capital Humano do Instituto Votorantim.
Confira abaixo nossa entrevista com as duas profissionais.
Os dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública sobre violência contra crianças e adolescentes
QCP: Quais dados do 17º anuário chamaram mais a sua atenção?
Maria Ângela: O que me chama atenção é a questão sobre o número de estupros no Brasil. Para mim, essa é uma uma grande chaga social, visualizar que o número de notificações tem aumentado muito. Vejam, um total de 52 mil estupros – é uma barbaridade para a nação, né?
QCP: Tendo em vista sua experiência na área, quais fatores podem ter influenciado para o aumento drástico destes números?
Maria Ângela: Acredito que este aumento tenha a ver com o fato de o Brasil estar começando a colocar a mão nessa ferida. Isso acontece por meio das legislações. Foi aprovada a Lei da Escuta Protegida (Lei nº 13.431/2017). Ela organiza o sistema de garantia de direitos e também a rede para construção de fluxos claros de encaminhamentos.
Dessa forma, existe um incentivo para que estados e municípios construam essa metodologia. Hoje, o procedimento de denúncia precisa ter três etapas: a detecção, o atendimento e a responsabilização do agressor.
Quanto mais a gente for avançando com delegacias especializadas da criança e do adolescente, com uma escuta qualificada dos diversos atores, com o favorecimento e o incentivo que as pessoas denunciem, além de aumentar o número, isso tende a ser um alarme, né?
QCP: Diante destes dados e da sua experiência na área, quais são as soluções práticas de curto prazo que podem ser implantadas para melhorar o cenário?
Maria Ângela: Penso que, voltando para a questão dos três eixos da denúncia, nós temos que aumentar a notificação e a conscientização da população, além de conscientizar e dar formação aos profissionais da área pública e privada.
É preciso fazer ações preventivas significativas em todo o espaço, assim como melhorar muito o atendimento às vítimas – que tem que ser trabalhado numa tríade. Por meio do trabalho com a vítima, a família da vítima e o agressor.
Programa VIA no trabalho e proteção de crianças e adolescentes brasileiros
QCP: Como o programa VIA impacta na vida de crianças e adolescentes brasileiras?
Anna: O programa Votorantim pela Infância e Adolescência (VIA) atua com a promoção, proteção e defesa de direito das crianças e adolescentes em municípios de atuação das empresas do portfólio Votorantim, fortalecendo políticas e práticas para impulsionar a capacidade institucional e social dos municípios na identificação, resposta e responsabilização de casos de violações de direitos infanto-juvenis.
QCP: Dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública alertam para um cenário de alerta sobre a violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Como o Programa Via pode atuar e ajudar na melhora desse cenário?
Anna: Os dados do anuário reforçam as preocupações que já haviam sido alertadas durante a pandemia: a violência contra crianças e adolescentes segue com índices cada vez mais preocupantes e o período de fechamentos das escolas, somada a questões socioeconômica das famílias, expôs as crianças e adolescentes a contextos de maior vulnerabilidade.
Somado a isto, ainda enfrentamos um desafio relacionado à capacidade institucional e social dos municípios para prevenir, identificar, responder e tratar os casos de violação de direitos infantojuvenis.
O programa VIA foi desenvolvido para apoiar duas frentes: em uma delas promovendo ações de fortalecimento da atuação dos CMDCAs e na outra promovendo ações com o Sistema de Garantia de Direitos para a construção de uma estratégia abrangente, multisetorial e efetiva no enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes tanto para atendimento integral dos casos de violação e encaminhamentos alinhados às diretrizes legais tal como a Escuta Protegida quanto estimulando o desenvolvimento e a implementação de ações de mobilização, conscientização e prevenção.
QCP: Pode citar algum exemplo do programa VIA em que houve uma transformação mais nítida?
Anna: Durante os anos de implementação do VIA, acumulamos histórias de transformação nos municípios. Tivemos um caso em que o município passou a receber recursos para o fundo com a nossa assessoria para regularização do fundo possibilitando desta forma a ampliação da atuação das organizações e projetos de atendimento de crianças e adolescentes.
Em outro caso, em contexto de obras, o VIA apoiou a organização e articulação do Sistema de Garantia de Direitos para mitigar os impactos de grandes empreendimentos não apenas no próprio empreendimento mas também no arranjo comercial envolvido, como em hotéis, bares e restaurantes. Também já tivemos casos de, a partir de uma campanha de conscientização promovida pelo VIA em conjunto com o Sistema de Garantia de Direitos, estudantes identificaram que elas estavam sendo vítimas de abuso sexual.
Maria Ângela Leal Rudge é psicóloga com pós-graduação em Psiquiatria, Psicologia e. Psicanálise da Infância. Pesquisadora especialista em violência, violações aos direitos das C&A, no Estatuto da Criança e do Adolescentes e nos fluxos de atendimentos de responsabilidade pelas instituições que constituem a Rede de Proteção Social e o Sistema de Garantia de Direito.
Anna Carolina Bruschetta é comunicadora Social, com mestrado em Gestão de Projetos Sociais. Coordenadora de Capital Humano do Instituto Votorantim.