![PACUERA da Usina Hidrelétrica Jirau](https://qcp.com.br/wp-content/uploads/2024/12/blog-4.png)
Entrevista com Leandro Matheus Pieroni, Geólogo e Sócio Diretor da GEOMIND – Geologia e Meio Ambiente
Em Jaci Paraná, no Estado de Rondônia, fica localizada a Usina Hidrelétrica Jirau, a quarta maior geradora de energia elétrica do Brasil em capacidade instalada. A gestão sustentável das áreas ao redor do reservatório da usina é assegurada por meio de um documento de planejamento estratégico.
O Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatório Artificial (PACUERA), que é revisado a cada dez anos com o objetivo de equilibrar o uso do entorno do reservatório e as ocupações, tanto as novas quanto as já existentes.
Uma proposta estabelecida pelo IBAMA, que garante também a conformidade com as novas leis ambientais federais.
A QCP participou da mais recente atualização do PACUERA UHE Jirau em 2023, colaborando com recomendações de possíveis ações que podem ser adotadas, além de cuidados que devem ser aplicados, sobretudo em Áreas de Preservação Permanente.
O geólogo Leandro Matheus Pieroni atuou como Gerente de Meio Ambiente, um dos profissionais envolvidos na equipe multidisciplinar que trabalhou em sinergia no processo de revisão e elaboração.
Ajustes consideráveis foram necessários nesta atualização, de acordo com o especialista. Mas, para além dos benefícios de conservação, houve também mudanças na percepção do envolvimento do poder público e da população neste processo.
Quais foram os principais desafios e perspectivas de impacto durante a revisão, além das mudanças e soluções aplicáveis?
Mais importante que elaborar o documento, é garantir a transparência da informação e o diálogo com o público de interesse. Então, sem dúvida, o maior desafio foi apresentar o Plano para a comunidade.
Elaboramos, para isso, uma metodologia de relacionamento construtivo e de engajamento, com aproximação do poder público às localidades do entorno do empreendimento hidroelétrico.
Esse conjunto de ações foi primordial para que todos pudessem acessá-lo de forma prática, didática e eficaz.
O planejamento e realização desta etapa foi a parte mais desafiadora, mas os resultados foram muito satisfatórios, pois tivemos boas avaliações do poder público e das instituições envolvidas.
Quais foram os impactos sociais e econômicos observados nas comunidades locais?
O objetivo principal do PACUERA é ordenar os usos potenciais e restrições ambientais da área de abrangência, portanto, em caráter eterno, passível apenas de atualizações ou ajustes pontuais conforme a dinâmica do meio socioeconômico, principalmente.
Como o Plano foi aprovado recentemente pelo IBAMA, tais indicadores poderão ser dimensionados de forma mais concreta no decorrer do tempo.
Após a aprovação, a utilização dele como referência para o planejamento da ocupação e aproveitamento dos potenciais ou preservação é feita pelo poder público. Estamos falando de uma ferramenta riquíssima que pode ser uma diretriz para o desenvolvimento da região.
Agora, cabe à Prefeitura de Jaci Paraná incorporá-lo ao Plano Diretor como referência oficial no planejamento do território.
Isso porque todo o zoneamento proposto, desde usos potenciais até restrições ambientais, foi discutido com as comunidades, então o processo de sensibilização, conscientização e responsabilização já representa um crédito marginal considerável, e reflete na melhor qualidade de vida, tanto no aspecto social, quanto econômico.
Poderia compartilhar a história ou caso de alguma comunidade impactada pelo reservatório?
Na Usina Hidrelétrica Jirau, em Rondônia, houve uma ação de destaque, que promoveu a mobilização completa de uma comunidade denominada Mutum Paraná. A área foi diretamente afetada pelo enchimento do reservatório, e o empreendedor construiu uma nova localidade com infraestrutura completa.
Com isso, houve a realocação de toda a comunidade para uma área mais bem estruturada, com acesso facilitado a serviços públicos diversos, saúde, educação, saneamento, dentre outros, que refletem em melhor qualidade de vida.
O processo de consultas à população, por si só, já representa um ganho qualitativo.
Com relação a atividades econômicas existentes, é legal apontar as mineradoras de dragagem de ouro que historicamente são realizadas no rio Madeira, onde foi construída a UHE Jirau.
Desde o início da implantação, o posicionamento do empreendedor foi favorável à possibilidade de coexistência desta atividade com o reservatório, o que acabou por incentivar a regularização das práticas e o fortalecimento das cooperativas locais, que hoje atuam de forma mais organizada na área do reservatório.
Quando falamos de impacto, naturalmente pensamos em algo negativo. Mas, como podemos observar, o incentivo da Usina Hidrelétrica Jirau para continuidade e suporte para regularização e adequação ambiental das atividades de extração de ouro, têm um impacto positivo.
A implantação da solução encontrada, incentivo à regularização e continuidade, é tão desafiadora quanto os impactos considerados negativos e passíveis de mitigação.
É importante pontuar que, durante o processo de implantação de um empreendimento hidrelétrico deste porte, os impactos são avaliados de forma bastante abrangente.
Isso vai desde os impactos diretos, que envolvem processos de relocação de moradores, até impactos indiretos em seu entorno. A partir de toda essa avaliação, são dimensionadas as ações mitigatórias e compensatórias.
Como a participação pública foi importante para a transparência e inclusão durante o processo de revisão?
Após a revisão textual inicial e a consolidação dos produtos de comunicação social do PACUERA, o contato direto com o público, tanto comunidade como instituições relacionadas, foi primordial.
Por isso, existe um documento apêndice ao PACUERA: o Plano de Comunicação Social. A partir dele, são dimensionadas as estratégias de divulgação, especialmente do zoneamento proposto.
A escolha dos locais de realização das consultas e todo o trabalho de divulgação, por meio da distribuição de folders “porta a porta”, cartazes, faixas, carros de som, dentre outros, permitiram uma boa participação do público nesta etapa inicial de inclusão.
Em seguida, adotamos uma metodologia de apresentação formal de conteúdo nas reuniões de consultas prévias, com atenção à linguagem acessível e apresentações esquemáticas e intuitivas, adotadas também nos materiais de divulgação, como a Cartilha Explicativa do PACUERA.
Ainda que os estudos tenham sido criteriosos, o conhecimento e a vivência dos comunitários são informações valiosas e imprescindíveis a serem consideradas. Para conseguirmos essa proximidade, na segunda parte das reuniões de consultas prévias, adotamos uma metodologia mais dinâmica e participativa.
Aplicamos técnicas de mapa mental, que permitiram a interação do público para demonstrar a relação das pessoas com o espaço, seu estilo de vida e as atividades que realizam. Todas essas informações foram registradas, analisadas e confrontadas com o zoneamento proposto.
Essa fase de adequação da comunicação à realidade local trouxe a maior precisão possível ao ordenamento territorial proposto na revisão.
O PACUERA é para a comunidade, é para o público, então a participação das pessoas deve ser e foi devidamente valorizada.
Além disso, é importante mencionar as instituições que possuem relação com os temas do PACUERA, especialmente as Secretarias Municipais e Estaduais de Planejamento, Meio Ambiente e Agricultura, e o IBAMA.
Para o engajamento desses e de muitos outros órgãos, foram realizadas visitas presenciais pela equipe técnica, com breve apresentação do tema e convites para a participação no processo de consultas à população.
Essas ações também foram importantes, e seus efeitos puderam ser observados durante as consultas, com a participação expressiva dos órgãos públicos e mesmo privados, especialmente na Consulta Pública de aprovação do PACUERA.
Quais são as tecnologias e métodos atuais que estão sendo usados para gerir áreas dos reservatórios artificiais e como elas são efetivas?
A apropriação de recursos tecnológicos avançados têm permitido realizar uma gestão bastante efetiva em reservatórios. Gosto de mencionar especialmente as técnicas de sensoriamento remoto. Para a UHE Jirau, por exemplo, são adquiridas imagens aéreas de todo o reservatório e entorno, com atualização diária e de ótima resolução.
Esses cruzamentos automáticos de imagens, em dias sequenciais, podem causar alterações mínimas de ambiente, como início de desmatamento, construção de benfeitorias irregulares em áreas preservadas, focos de queimadas, desencadeamento de processos erosivos, dentre muitos outros.
Com isso, é possível adotar medidas reparadoras quase em tempo real.
Ações de monitoramentos periódicos também podem ser feitas por meio de Programas Ambientais, que são definidas no processo de licenciamento e abarcam temas como hidrologia, hidrologia, limnologia, variações de nível do reservatório e do lençol freático, controle de nível operacional do reservatório, com alta precisão.
Os resultados são avaliados de forma integrada, de acordo com a interface entre Programas, permitindo afirmar que a gestão de reservatórios artificiais atualmente é bastante eficaz, sendo extremamente raros eventos ambientais adversos.
Qual ponto de perspectiva de impacto você gostaria de destacar sobre o projeto?
Especialmente na área ambiental, o conceito de impacto positivo vem sendo mais difundido, pois são alterações do meio ambiente, ou proposição de ordenamentos, que promovem ganhos, recuperação e melhorias.
O PACUERA se enquadra neste aspecto como um documento importante do processo de licenciamento, pois reúne um volume grande de informações, com foco no uso direcionado para promover melhor aproveitamento dos espaços, valorização e conservação de áreas vulneráveis.
Então, o Plano está ligado a uma ação de impacto positivo que, ainda que seja previsto como obrigatório no Código Florestal, vem sendo cada vez mais valorizado e aprimorado em empreendimentos hidrelétricos.
Quais benefícios além da conservação do meio ambiente você destacaria?
Sem dúvida, a conexão com a comunidade, algo que reforça a necessidade de preservação de ambientes vulneráveis, incluindo áreas já destinadas oficialmente para conservação e as áreas mais sensíveis, que possuem baixo potencial de aproveitamento econômico.
A demonstração das vantagens de preservação destes setores do zoneamento, além das possíveis penalidades em caso de descumprimento, por si só promovem a sensibilização das comunidades.
Durante os diversos contatos com o público, destacamos sempre a importância da regularização fundiária, para composição de reserva legal da propriedade e das vantagens que podem ser obtidas com o Cadastro Ambiental Rural.
Outro benefício que é nitidamente apontado são os usos potenciais, divididos principalmente em potenciais agropecuários: aptidão agrícola, turísticos, minerários e comércios e serviços.
Isso significa que o PACUERA também contribui no direcionamento dos potenciais de cada local ou zona, permitindo melhor planejamento de investimentos e aproveitamento econômico.
Qual mensagem de aprendizado você gostaria de compartilhar sobre o projeto?
Toda a experiência de elaboração e aprovação deste Plano nos trouxe percepções importantes, especialmente sobre a possibilidade de melhorias na participação do poder público durante o processo.
Ainda que sejam envidados muitos esforços para engajar os órgãos públicos, a participação ainda é tímida. Ações metodológicas adicionais, e mesmo prévias à elaboração, podem ser aprimoradas, a começar pela assunção de responsabilidade de diversos órgãos, e não só do IBAMA.É um trabalho técnico, multidisciplinar, sinérgico, mas carece ainda de melhores políticas públicas específicas.
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